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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Anúncio do Anjo a São José




Cinco cenas, teologicamente elaboradas, constituem o prólogo ao Evangelho de Mateus (Mt 1,18-2,23). A primeira cena é o anúncio a José. O nascimento legal atestado pela genealogia torna-se agora assunto de uma breve narrativa, que descreve de que forma um homem da linhagem davídica, de nome José, tornou-se pai adotivo de Jesus.
118 Ora, a origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. 19 José, seu esposo, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, resolveu repudiá-la em segredo. 20Enquanto assim decidia, eis que o Anjo do Senhor manifestou-se a ele em sonho, dizendo: "José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará seu povo dos seus pecados".
22Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23"Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho  e o chamarão com o nome de Emanuel, o que traduzido significa Deus está conosco". 24 José, ao despertar do sono, agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu em casa sua mulher. 25 Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho. E ele o chamou com o nome de Jesus.
Mateus retoma o tema da origem de Jesus, como aponta o uso da palavra "gênesis" no texto grego, e o apresenta com o auxílio de um gênero literário diferente, mostrando de que maneira Jesus entrou na linhagem real e destacando a intervenção singular do Espírito Santo e a virgindade de Maria, sua mãe.
Maria havia sido prometida em casamento, mas não havia tido nenhum tipo de coabitação ainda quando se achou grávida (v.18). O compromisso de casamento judaico (o noivado) era tão sério que os noivos já se diziam "esposos" e só por um repúdio legal podia ser desfeito. A fé da Igreja primitiva, da qual Mateus se faz porta-voz - juntamente aos outros evangelistas -, sobre a virgindade de Maria e a intervenção extraordinária do Espírito Santo, única no Antigo e Novo Testamento, é firme e inequívoca.
A expressão "Espírito Santo" é rara no Antigo Testamento. Às vezes é usada a expressão "Espírito de Deus", indicando a fonte divina de uma dádiva concedida a pessoas com uma vocação especial, como no caso de José no Egito, que interpretava os sonhos (Gn 41,38), ou de Balaão, que profetizava (Nm 24,2), de Gedeão, que tinha de libertar seu povo (Jz 6,34), de Saul, recém ungido (1Sm 10,10), do profeta Zacarias, martirizado (2Cr 24,20), de Daniel, mais sábio do que todos os sábios do oriente (Dn 4,6; 5,14). Mais frequentemente é usada, no entanto, a expressão "Espírito do Senhor", com o mesmo significado e nos mesmos contextos, sobretudo com relação aos juízes e profetas4.  Ele repousará, porém, de maneira especial, sobre o Messias da linhagem davídica (Is 11,2). O livro da Sabedoria, último escrito sagrado do Antigo Testamento, acrescenta que: "O Espírito do Senhor enche o universo e mantém unidas todas as coisas" (Sb 1,7). Quanto à expressão "Espírito Santo", ela é usada pelo salmista que implora o perdão dos pecados, a renovação do coração e a constante presença de Deus em sua vida (Sl 51,13). Ele foi derramado sobre o povo de Israel, mas eles o contristaram (Is 63,10), e sobre Moisés para conduzir esse povo (Is 63,11). Mas a expressão usada por Mateus "grávida pelo Espírito Santo" é única em toda a Bíblia!
Dizendo que a gravidez de Maria aconteceu pelo poder do Espírito Santo, Mateus expressa a fé da Igreja primitiva sobre a origem divina e humana de Jesus. Na sequência narrativa, porém, o protagonista da cena, ou seja, o justo José, obviamente ainda não tem conhecimento da iniciativa divina. Mas logo saberá pela revelação do Anjo (vv. 19-20).
Surge a pergunta: em que sentido Mateus declara José justo? Ele é considerado justo porque decide repudiar Maria ou porque decide fazer isso em segredo, poupando-lhe a pública infâmia e talvez a vida. De fato, a mulher adúltera devia ser apedrejada, segundo a interpretação farisaica da Lei5.  Além disso, o livro dos Números ordena que o marido ciumento que desconfia da mulher, mesmo sem prova nenhuma, deverá levá-la ao sacerdote para expô-la publicamente a um ordálio. Ela terá que beber águas de maldição que trarão sobre ela o castigo de Deus, se ela for culpada (Nm 5,11-31). José, entretanto, decide divorciar Maria em segredo.
Evidentemente, sendo que José não está respeitando a Lei, não pode ser declarado justo do ponto de vista judaico! De que ponto de vista então Mateus o declara justo? Logo após ter proclamado as Bem-aventuranças, Mateus declara: "Eu vos asseguro que se a vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus" (Mt 5,20). O tema da justiça do Reino é fundamental em Mateus e será desenvolvido ampla e paulatinamente do decorrer da narrativa. Isso é suficiente para perceber que é pela justiça do Reino que José é considerado justo, pois Deus quer misericórdia e não sacrifício (Mt 9,13). Justiça, misericórdia e fidelidade são prioridades para Deus, segundo o ensinamento de Jesus (Mt 23,23).
Contudo, a justiça de José não para por aí. Mateus não quer apresentar José como sendo justo apenas na base de sua clemência ou, talvez, por ele acreditar na inocência de Maria e, portanto, por ter consciência de encontrar-se diante de um misterioso desígnio divino que não quer atrapalhar. Com efeito, conforme a praxe teológica das grandes vocações bíblicas, o escolhido para realizar o plano de Deus costuma manifestar receio por não considerar-se digno do chamado e quer se retirar com humildade. Nessa altura, Deus confirma sua eleição, prometendo seu socorro e o sucesso da missão. A sequência da narrativa, um sonho cheio de inspiração divina, vem revelar todo o alcance da justiça de José. A descrição do drama interior do varão da casa de Davi prepara a explicação do Anjo, visando salientar a intervenção do Espírito e justificar a inocência de Maria.
4  Jz 3,10; 6,34; 11,29; 13,25; etc. 1Rs 18,12; 2Rs 2,16; Is 61,1; Ez 11,5.5  Cf Jo 8,3-4; Lv 18,20-29; 20,10; Dt 22,23-24.
 
Fonte: Fundação Nazaré. 

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